Nós progressistas – sobretudo os comunistas – somos alvo constante do preconceito. É mesmo frequente o gozo, muitas vezes apenas demonstrado com um sorriso incrédulo, por exemplo, quando chamamos os nomes às coisas. Para despoletar tal reacção, basta adjectivar alguns substantivos com termo burguês. Exemplos: Estado, democracia.
Fará sentido mantermos esta adjectivação?
A verdade é que muitas vezes vemos desenrolarem-se confrontos na nossa sociedade, por falta de resposta a necessidades com diferentes origens. Em fundo, existe um Estado e um quadro legal que nem sempre pode comportar tais exigências. Os limites destes Estados – apelidados de Direito – exprimem-se por vezes com uma violência inusitada: recordamos os governos de Cavaco, repressor no protesto na ponte 25 de Abril ou no movimento anti-propinas. Os protestos foram uma reacção a um Estado que se preparava para agir em sentido antagónico às necessidades dos estudantes, ou dos camionistas e os demais utentes da ponte.
Mas nem sempre o protesto vem da classe trabalhadora. Na Bolívia, o governo do presidente Evo Morales tenta concretizar a expropriação dos latifúndios que não cumpram funções económicas ou sociais de acordo com a nova constituição boliviana. Isto é, os que ainda mantenham indígenas ou camponeses em regime de servidão serão expropriados. Também se referendou a limitação das dimensões dos latifúndios, estando agora limitados a 5 mil hectares. O processo que o governo boliviano tenta concretizar entrou em colisão com os interesses dos empresários agrícolas que, por isso, anunciaram que partirão para a desobediência civil.
Claro que, de um acto de desobediência civil por parte de uma classe não se conclui a natureza classista do respectivo Estado. Ela é resultado da interacção de classes, sendo que um Estado de carácter predominantemente burguês não apresenta necessariamente só acções que favoreça essa classe. Neste post, apenas pretendemos dar uma pequena achega sobre a validade da análise classista da nossa sociedade, nas suas diversas expressões. E por tudo o referido acima, leva-nos a pensar que faz sentido classificar termos como Estado… de burguês.
Ligações:
Bolivianos votam nova Constituição, Emir Sader, 22/01/2009
Morales aceita supervisão internacional de aplicação da Constituição, Globo, 20/02/2009
NO VOLVERAN! -The Venezuelan Revolution Now, documentário.
E viva aos cheiros vindos da Bolívia!
# Colectivo Leitura Capital
Ora bem, sofro muitas vezes desse rotulo, ser burguesa!
Pois, sou, sim senhor.
Depois ficam assim um pouco parvos, porque gosto disto ou daquilo, porque falo de filosofia, porque gosto de perfumes, porque troco de carro “Tens a certeza que és comunista?”
Tenho, todos os dias mais um pouco.
O que se passa na América Latina está a dar engulhos a muita gente mas é tão bom ver acender tanta fogueira de esperança.
beijos
Por indicação de um Amigo tenho acompanhado os posts deste blog. Realmente e contrariando o que me foi transmitido aqui só se fala de “revolução”. Enaltece-se o comunismo apresentando-o como o melhor e mais certo para corrigir os males do Estado. Sempre tive uma grande admiração pelo Dr. Álvaro Cunhal, apesar dos seus discursos serem sempre iguais, sempre o admirei pela sua força, perseverança, sua capacidade de sobrevivência física e politica, sua eloquência, um Homem de armas. Penso que actualmente não existe alguém à altura de o substituir, alguém que possa por o “Povo” a mexer. Assim o comunismo, apesar de ainda estar vivo, mostra sinais de estagnação, de paragem no tempo, como se estivesse a espera, a espera de algo ou alguém que ainda está para vir, de alguém que marque a diferença. É muito fácil falar, vamos agitar as “massas”, mas é muito difícil colocar em prática. É necessário uma pessoa com um cariz muito forte, que faça as pessoas pensarem, que as incentive a agir, que as leve a sair da pasmaceira em que estão e assim fazer a verdadeira “Revolução”. Não penso que será o Jerónimo de Sousa, talvez o Bernardino senão pisar alguns calos comunistas ou algum dos novos que lá estão. Não sou comunista mas sinto que algo tem de mudar, algo tem de acontecer para que isto mude, alguém com espírito forte e capaz de combater as forças dominantes tem de surgir qual fénix das cinzas. Quando esse alguém aparecer ai sim o comunismo poderá ser uma alternativa.
Esta é neste momento a minha opinião.
Um Abraço do casadegentedoida.
Já agora só uma coisa que faltou, penso que a Bolívia não será um bom exemplo de “revolução comunista” visto as características do seu Povo. Povo indígena habituado a liberdade, misturado com espanhóis (que são na sua maioria anarquistas) não fazem bons comunistas, e no “meio geográfico” em que estão inseridos, ponho as minhas duvidas. Obrigado.
Bruno,
Sem dúvida, faz todo o sentido, mesmo num modelo socialista.
A revolução é hoje!
A partir do comentário do Escudeiro…
Penso que em Portugal, por nos últimos anos do pós-guerra(s) se ter vindo a observar um melhoramento das condições de vida, que a generalidade do povo deixou embriagar-se pela pensamento dominante (neoliberal e anti-comunista). Só na necessidade, quando se torna claro que algo está muito errado, é que as massas tendem a acordar e a por em causa o pensamento dominante.
Só nessas fases em que por algum motivo acordam, é que se adoptam os heróis – os nomes daqueles que as massas se reconhecem. É o caso de Evo Morales. Ele é fruto do movimento popular naquele país, e não o movimento popular que é fruto dele. Inclusivamente, penso ser esse o caso de Hugo Chavez; se não fosse Chavez, seria um outro nome qualquer.
Em Portugal, destacou-se Álvaro Cunhal. Mas se Cunhal não existisse, haveria outro. Ora, não é por acaso que foi o nome que se destacou. Conheço muito pouco da sua obra, mas o pouco que já li faz-me desconfiar que os seus discursos eram extremamente mais abrangentes do que os que me deram a conhecer…
Será uma revolução comunista na Bolívia? Para mim, qualquer revolução com a lucidez da Boliviana, é comunista. Claro que tem especificidades muito diferentes das de Cuba, China, Venezuela… e Portugal. E, certamente que não é por não ser um partido comunista a governar que não são comunistas. Para não me vou alongar mais, e podendo ser simplista demais: se é um movimento para uma nova sociedade, se é de busca e aprendizagem, se é de classe (preciso de dizer qual é? :-P ), então é comunista.
obrigado pelos comentários.
Bruno,
a revolução boliviana não é uma revolução socialista ou comunista. O que se passa na Bolívia é um processo de refundação nacional com traços bastante progressistas. É certo que houve avanços bastante profundos. As riquezas naturais voltaram às mãos do Estado. Os direitos dos indígenas estão estabelecidos na nova constituição. Mas não é, ainda, um processo socialista ou, na minha opinião, uma revolução.
Quanto às palavras do Escudeiro não posso mais do que discordar. “Indígenas habituados à liberdade”? “Espanhóis na sua maioria anarquistas”? Os indígenas foram, durante séculos, escravizados e explorados. Uma grande parte foi assassinada em massa. E os espanhóis que andavam pela Bolívia não eram certamente da classe trabalhadora e muito menos anarquistas. Mais objectividade e sobriedade quando se escreve sobre estas coisas.
Quanto às palavras do Escudeiro não posso mais do que CONCORDAR.
A história não começa aquando da invasão, ou melhor, da re-urbanização dos Novos Mundos.
Nem tudo vem nos livros.
Meu caro Pedro Bala, quanto a questões de objectividade e sobriedade, são temas que têm muito que se lhe diga.
E eu que o diga… Já vi coisas do arco-da-velha!
Abraço,
Zorze
Recomendo que leiam o ‘Veias Abertas da América Latina’ do Eduardo Galeano. Aí, poderão conhecer o holocausto que se abateu sobre os povos originários da América. Também poderão conhecer um pouco melhor como se organizavam aqueles povos antes da chegada dos colonizadores.
Volto a repetir. Concordo com o Escudeiro quando diz que a Bolívia não serve de exemplo quando falamos de revolução comunista mas discordo quando faz afirmações sem qualquer valor objectivo quando diz que “Povo indígena habituado a liberdade, misturado com espanhóis (que são na sua maioria anarquistas) não fazem bons comunistas”. Primeiro porque não compreendo de que liberdade fala e segundo porque não compreendo a caracterização política que faz dos colonos espanhóis.
Antes da chegada dos espanhóis, a relativa liberdade que usufruíam os indígenas era o que impedia no futuro – 500 anos depois – uma consciência ideológica firme e coerente?
E que tem o anarquismo, que surgiu muito depois, a ver com a consciência política dos colonos que eram na sua maioria da nobreza ou da burguesia?
a atitude é que pode ser burguesa…quanto à classe ou ao estado burguês, até pode ser benéfico…veja-se a revolução de 1789 (em frança) , onde a classe da burguesia até desempenhou um papel importante.
sobre as revoluções: elas variam conforme a sociedade, daí o processo socialista-comunista ser um processo em evolução constante , onde não existem verdades universais, somente o da revolução em si.
#duartenovale
Compreendo e (até) concordo com a resposta do Pedro Bala ao meu comentário. Chamei ao movimento boliviano de socialista/comunista, pois na minha perspectiva, sendo ele consciente ou não do marxismo, empurra-nos para uma nova sociedade: a comunista. Mas talvez não esteja a ser muito correcto nos termos que usei.
Quanto à Revolução Francesa de 1789, acrescento que há época a burguesia era a classe progressista. Ela negava então o feudalismo, a sociedade do clero e nobreza, pela sociedade burguesa, o capitalismo. Destes últimos surge o proletariado, que como classe progressista do nosso tempo, tal como outrora a burguesia terá negado o feudalismo, negará o capitalismo.
Acrescentei o paragrafo acima, pois parece-me importante dar uma visão mais abrangente a quem nos lê e tem uma visão caricatural do que é o marxismo/comunismo.
Agora, tenho que ir andando. Te já!! :-D
Quando referi os “indígenas” estava a referir o povo originário da região, a raça então ai existente (no Brasil há índios, no resto da América Latina também, o termo vem do tempo das descobertas quando os colonizadores ao chegarem as Caraíbas pensavam que estavam a chegar as Índias, do Oriente). A escravidão a que foram sujeitos tirou-lhes a liberdade. Agora o Pedro Bala diz: “E que tem o anarquismo, que surgiu muito depois, a ver com a consciência política dos colonos que eram na sua maioria da nobreza ou da burguesia?” Agora pergunto: qual consciência politica tinham os colonos nobres e da burguesia se obedeciam ao Rei? Qual consciência politica tinham se que o que possuíam era-lhes dado de “mão beijada”? No inicio talvez fossem alguns com carácter mas também diz a história que muitos “indesejáveis” foram “aconselhados” a fazer a vida nas colónias espanholas. Muitos fugiram com receio de perderem a vida. O Evo Morales tenta fazer o que o Lula da Silva tentou e não conseguiu, uma reforma agrária para o Povo. Nem todos são anarquistas mas deles não reza a história. Obrigado.
[…] dos conceitos e princípios. E antecipamos o juízo taxativo, ou preconceituoso, nos termos do nosso post anterior: “lá estão eles com a k7″. Sendo assim, gostaríamos de passar em revista algumas […]