1 – Das mais importantes correntes artísticas do século XX, o neo-realismo manifestou-se na literatura, no cinema, na pintura ou na música. É assumida uma intervenção social com a denúncia das injustiças sociais, e o seu principal fundamento, como escreveu Álvaro Cunhal, em 1939 n’”O Diabo” é que “a arte deve exprimir a realidade viva e humana de uma época”.
Na literatura, em Portugal, encontramos nomes como Alves Redol, Manuel da Fonseca, Soeiro Pereira Gomes, Sidónio Muralha, Joaquim Namorado, José Cardoso Pires, Fernando Namora ou Urbano Tavares Rodrigues. Na pintura encontramos Júlio Pomar, Avelino Cunhal, Cipriano Dourado ou Vespeira. Ou, fora de portas, Orozco, Rivera ou Portinari.
Na sétima Arte, ganhou particularmente destaque no cinema italiano, quando Rosselini apresentou, em 1944, “Roma cidade aberta”, com argumento de Fellini.
Poder-se-à argumentar que está datado, mas a arte, qualquer arte, datada ou não, não deixa de ser arte. E o neo-realismo, para além de ter produzido grandes nomes nas suas várias vertentes, continua actual.
2 – Com uma vasta obra como romancista, contista ou ensaísta, Manuel Ferreira, natural de Gândara dos Olivais, Leiria, é também autor de livros para crianças. Foi professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Introduziu, na universidade portuguesa o ensino das literaturas africanas de expressão portuguesa. Viveu em Angola, na Índia e em Cabo Verde e tornou-se um estudioso da cultura e literatura africanas de expressão portuguesa. A sua obra literária está marcada pela sua presença naqueles países, na qual denuncia a repressão do colonialismo e do regime fascista. Essa obra, bem como os ensaios e antologias são imprescindíveis para o estudo daquelas literaturas.
Quer pelo ambiente da sua obra literária, quer pela divulgação que fez daquelas literaturas, Manuel Ferreira, português, pode, e deve quanto a mim, ser reivindicado como um escritor africano de expressão portuguesa.
A ele lhe devemos uma maior universalidade que trouxe à língua de Camões.
3 – Uma investigação na Net com o objectivo de aprofundar o meu conhecimento sobre Manuel Ferreira revelou-se pouco menos que infrutífera. Encontrei-o num site inglês, Enciclopédia Britânica Online, e pouco mais. Noutro site, aparentemente de uma livraria on-line, encontra-se o título das suas obras seguido de uma anotação: indisponível. Nunca tinha dado pelo facto de Manuel Ferreira ter sido um best-seller.
Sou tentado a comparar, ou pelo menos isto lembra-me o branqueamento que está em curso de uma época recente da nossa História. E como as ideias são como as palavras, bem se pode dizer como as cerejas, lembro-me de um activista negro que afirmou que “um povo sem o conhecimento do seu passado histórico, origens e cultura, é como uma árvore sem raízes”.
Um dos grandes escritores angolanos afirmou, certa vez, que “a língua portuguesa é o nosso espólio de guerra”. Os africanos sabem e saberão assumir o seu passado e cultura.
Assim, Manuel Ferreira, cidadão português, é, também, um escritor africano de expressão portuguesa. E figurará sempre como um dos nomes mais importantes.
4 – Na minha pesquisa encontrei neste blog (http://raraavisinterris.blogspot.com) um texto sobre Manuel Ferreira, de 15 de Junho deste ano que, com a devida vénia, aqui reproduzo, em jeito de homenagem ao escritor.
“Na cave da Faculdade de Letras de Lisboa, numa pequena sala, em pequeno grupo-turma, conheci o Professor Manuel Ferreira. Era um homem já entrado na idade e muito agradável. Tinha uma humanidade latente no seu olhar brilhante, na sua farta cabeleira branca…a sala ía-se impregnando do aroma doce do seu cachimbo.
Conheci e fui discípula deste pioneiro, escritor e homem de letras. Com ele aprendi, fascinada, o tópico literário da africanidade, da tropicalidade e me apaixonei pelos «claridosos».
Demo-nos tão bem que trocámos telefonemas e escritos. Demo-nos tão bem que um dia me disse:
-Alentejana, queres continuar o meu trabalho em Cabo Verde?
As circunstâncias ditaram que ficasse…
Em 1992, a um mês de vir – por convite meu – fazer uma Conferência à minha Escola, o coração falhou. Partira.
Aqui, a minha homenagem, porque os mestres nunca morrem.
Vale a pena conhecer a Literatura Africana, ela tem o calor e a luz sofrida da sua História, mas é suave e doce”.
#alex campos
Logo depois do 25 de Abril, morava eu em Linda-a-Velha, onde também vivia o escritor Manuel Ferreira.
Passei belos (e muitos) pedaços de tarde, com uma bica, o tal fumo perfumado do seu cachimbo e a excelente conversa povoada de histórias de África e o que sempre me pareceu uma genuina curiosidade em relação ao que eu teria para lhe contar.
E vão 33 anos…
COMPANHEIRO
Já me obrigaste a ler mais um bocado…obrigado
E sim concordo plenamente contigo,quando dizes que há como uma tentativa de branquear o nosso passado…
Eu demorei anos até saber o que tinha sido a nossa ditadura a nossa revolução o 25 de novembro…
Enfim a todos os mestres que me fizeram e me vão fazendo mais consciente e completo o meu humilde OBRIGADO
Abraço de duartenovale
Alex,
Raizes, cada dia se arrancam mais para plantar ignorancia, necessitamos cuidar este jardim (à beira mar plantado).
A revolução é hoje!
Alex,
Bom post como que uma chamada de atenção. Fiquei com curiosidade de conhecer a obra de Manuel Ferreira.
Abraço,
Zorze
Alex, magnífico post. Demonstras aqui que este nosso blog também, é ele, Cultura, Arte e Literatura. Merecida Homenagem que prestas aqui ao Professor. Bem hajas por isso, para que a memória perdure.
Um Forte Abraço
Camarada Alex
O grande problema desta aldeia, é que a riquesa é o dinheiro, o resto não conta como tal.
Para mim, a Pátria é a nossa lingua, para outros é a sua conveniência, os quase cinquenta anos de ditadura, foram terriveis para o panorama cultural português, e nestes tempos a auto-censura, funciona quase como antigamente a censura, o poder económico com a sua mãozinha invisivel continua a sobrepôr-se a tudo.
O caso do escritor Manuel Ferreira, que muito bem trouxes-te, ao “cheira-me”, tal como eu , estou certo que a maioria dos portugueses não conhece nem ouviu falar.
Abaixo a koltura capitalista!
Viva a CULTURA POPULAR!
Tú sózinho não és nada! Juntos temos o Mundo na mão!
Um abraço do tamanho do mundo para todos!
Pelo texto de uma sua aluna que “roubei” e pelo comentário do Samuel fiquei a saber que Manuel Ferreira também fumava cachimbo.
Que ele era (é) um desconhecido para o grande público já não é novidade para mim, pois há imensos bons prosadores, excelentes e importantes escritores portugueses que são votados ao desconhecimento, quer pela comunicação social, pelas entidades competentes, ou mesmo pelos programas escolares.
O que vai acontecendo, aliás, com escritores ou poetas actuais.
Já agora, livros de Manuel Ferreira:
Ficção: Romance – “A casa dos Motas”, “Hora di bai”, “Voz de prisão”; Contos – “Grei”, “Morna”, “Morabeza”, “Terra trazida”, entre outros.
Ensaio e investigação: “A aventura crioula”; “No reino de Caliban”, “A literatura africana de expressão portuguesa – uma literatura ignorada” ou “Bibliografia das literaturas africanas de língua portuguesa”, este em co-autoria com Gerald Moser.
Um abraço
De facto confesso que não conheço a sua obra, mas pela maneira como a contas e a transmites, coadjuvado pelo Samuel e pela suposta aluna, Ana Tapadas, só pode ter sido um grande homem, como muitos outros, que preferem e preferiram, viver na e para a cultura, discretamente, sem quaisquer protagonismos, mas apenas no amor a esta, porque a cultura é o ser humano, os seus hábitos e as suas vidas.
Abraço
#Sensei
Não conheço a obra, nem o autor, conheço outros que citas.
O Roma cidade aberta é um filme impressionante, mas para mim dessa vaga existem dois que me marcam ainda mais “Rocco e os Seus Irmãos” e “La Strada”, principalmente este último.
Quanto á literatura africana, de expressão portuguesa, confesso que o primeiro livro que considerei absolutamente fascinante foi “Lueji”, daí para a frente não parei.
Mas obrigado por esta dica, irei ler com toda a certeza.
alex campos:
precisamos nos conhecer,os que falam essa língua,portugal
e brasil.
um abraço fraterno.
romério
http://romerioromulo.wordpress.com
Alex
Que agradável surpresa, o teu artigo.
Os meus parabéns
Obrigada por divulgares a Literatura africana e por me citares.
Bom blogue!
Caros Amigos:
hoje, dediquei-me a procurar o amigo Manuel Ferreira. Foi um homem que conheci em Algés, antes 25 de Abril, ele era escritor e eu jovem escrivanhador de poemas e etcs, que ele disse seria interessante publicar. Fotografei-o para alguns dos seus livros – Mornas – concretamente.
Um dia, no café Ribamar em Algés, entrei de guitarra ao ombro – tipo Dylan – e com um enorme lenço de lenço vermelho ao pescoço : ele disse-me: ” tire-me já esse lenço, rápido: quer ser preso… ? ”
Era o dia 1 de Maio de um ano qualquer. Eu na quela altura quase não entendia nada.
Conservo na minha memória essa sua atitude. Era um prazer e um privilégio tomar um café na sua mesa e falar com ele.
Um abraço Manuel Ferreira
Bem hajam os que lembram e fazem lembrar Manuel Ferreira que foi, por razões que escapam aos comuns mortais, esquecido pelas Instituições, incluindo a Faculdade de Letras, que a ele deve a inclusão das Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa no percurso de alguns Cursos.
Também eu tive a honra de passar pela sala da Cave da FLUL, onde habitualmente o Professor Manuel Ferreira (atenção: a Academia apenas lhe reconhece o título de Licenciado, o comum Dr., abreviado!) dava aulas, a horas que permitiam a frequência de alunos trabalhadores – tipologia em que eu, à época, ainda não me enquadrava, porque ordinária.
Também, tive a honra de ser sua vizinha, e de me regalar com longas conversas mais do que com o bolo que não comia ou com o café que esfriava. Sentados frente a frente, numa das mesas do Tinoco, em Linda-a-Velha (passe a publicidade) falávamos de tudo um pouco e o tempo voava.
Também, tive a honra de conviver, até sair do meu país, com Orlanda Amarilis, companheira fiel de Manuel Ferreira, que fez o favor de aceitar, sem a mínima hesitação e sem contrapartida monetária, falar sobre a Literatura de Cabo Verde, na escola em que, nos anos 90, dei aulas. Guardo comigo a verticalidade de uma mulher fantástica, realista e dura na sua solidão não compartilhada, e o olhar doce que me dirigia. Realismo e doçura que, também transparecem na sua prosa e na sua poesia, ainda menos conhecida.
Bem hajam. Soube-me muito bem poder deixar, aqui, o meu testemunho, sabendo, no entanto, que por infelicidade, poucos o irão ler.