Port wine
O Douro é um rio de vinho
que tem a foz em Liverpool e em Londres
e em Nova-York e no Rio e em Buenos Aires:
quando chega ao mar vai nos navios,
cria seus lodos em garrafeiras velhas,
desemboca nos clubes e nos bars.
O Douro é um rio de barcos
onde remam os barqueiros suas desgraças,
primeiro se afundam em terra as suas vidas
que no rio se afundam as barcaças.
Nas sobremesas finas, as garrafas
assemelham cristais cheios de rubis,
em Cape-Town, em Sidney, em Paris,
tem um sabor generoso e fino
o sangue que dos cais exportamos em barris.
As margens do Douro são penedos
fecundados de sangue e amarguras
onde cava o meu povo as vinhas
como quem abre as próprias sepulturas:
nos entrepostos dos cais, em armazéns,
comerciantes trocam por esterlino
o vinho que é o sangue dos seus corpos,
moeda pobre que são os seus destinos.
Em Londres os lords e em Paris os snobs,
no Cabo e no Rio os fazendeiros ricos
acham no Porto um sabor divino,
mas a nós só nos sabe, só nos sabe,
à tristeza infinita de um destino.
O rio Douro é um rio de sangue,
por onde o sangue do meu povo corre.
Meu povo, liberta-te, liberta-te!,
Liberta-te, meu povo! – ou morre.
Joaquim Namorado
Foi numa das poucas e fugazes visitas que fiz a Resende, a capital da cereja, terra de minha mãe, que fotografei o Douro. Não conheço, portanto, este Douro aqui descrito por Joaquim Namorado. Conheço-o como o conhece qualquer turista. Outras paragens me serão mais familiares. A do “Monangamba”, de António Jacinto, certamente, uma realidade que vivi.
Conheci e convivi com o poeta nos últimos anos da sua vida. Era presidente da assembleia-geral da empresa que publicava o já extinto semanário figueirense “Barca Nova”, onde eu dei os primeiros passos no jornalismo amador, coisa que hoje em dia não existe, mas que era uma aventura arrebatadora. “O velho”, como, jovens que éramos, lhe chamávamos, fez o favor de se tornar nosso amigo, meu e do António Agostinho, meu companheiro de redacção. Também escrevia e publicou poemas inéditos e, sobretudo, aprendíamos sempre com ele.
A imagem que guardo do velho combatente é a de um homem duro (a PIDE que o diga), intransigente, quase diria implacável. Mas ele próprio cultivava essa dureza, chegava a parecer rude, talvez porque quisesse esconder o seu grande coração, mole como gelatina, de homem solidário, generoso, cheio de ternura. E irónico e sarcástico, atributos aliás, da sua poesia. Chegou a escrever um poema, “Aventura nos Mares do Sul”, com um único verso. Este: “Eu não fui lá”.
Figura maior da cultura portuguesa, é atribuída a este alentejano de Alter do Chão a expressão neo-realismo para disfarçar o “realismo socialista” e iludir o regime. Licenciado em Matemáticas foi perseguido pelo regime e proibido de leccionar em escolas públicas. Viveu de explicações, como explicaria ele mais tarde: “Fiquei em Coimbra a vender lições como quem vendia tremoços”. Publicou “Aviso à navegação”, “Incomodidade” e “A poesia necessária”.
Depois do 25 de Abril Namorado foi condecorado com a “Ordem da Liberdade”, mas foi durante um governo PS novamente afastado do Ensino. O que me leva a pensar que a democracia nunca se chegou a institucionalizar. “Na vida temos de estar preparados para tudo, mesmo para comer merda em colheres de chá”, afirmaria o poeta.
O “Barca Nova”, em 1983, prestou uma homenagem a Joaquim Namorado e ao Neo-realismo. Um espectáculo que contou com várias figuras da cultura e da música portuguesas. A Câmara Municipal da Figueira da Foz associou-se ao evento atribuindo um prémio literário anual com o nome do poeta da Incomodidade. Prémio esse extinto quando da passagem de Santana Lopes pelo município.Fez ontem 22 anos que o seu enorme coração o traiu. A ele, que era intolerante com a traição. Mas se há homens que se vão da lei da morte libertando, Joaquim Namorado será um deles. Com certeza.
# Alex Campos
Extraordinário, Joaquim Namorado,..mas pelos vistos pouca gente o conhece, é pena !!
companheiros:
o joaquim namorado não é conhecido das paragens
brasileiras.
um abraço.
romério
http://romerioromulo.wordpress.com
Pois o douro continua a verter lágrimas de sangue…
As terras(algumas) pertencem a quem as cultiva, mas o lucro é selváticamente delapidado por outros senhores…
Grande este Fernando Namorado , e é perante a antagónica pequenez dos nossos governantes que se agiganta a vontade de outros Douros.
O saneamento de professores de matemática (porque os génios científico, tendem a ser pensadores metódicos) foi prática comum…o resultado está à vista.
O pior é sabermos , que depois da revolução primaveril,este longo inverno tem calcinado as mais puras flores.
BASTA! QUEREMOS O QUE NOS PERTENÇE! QUEREMOS O DIREITO DE CRESCER! ABAIXO OS MONOPÓLIOS! MORRA ESTE SISTEMA !
E se for necessário trocar Baco por Marte , assim seja!
Abraço do vale
Excelente !
Esse Douro lindo quando calmo e belo!
Furioso quando se rebela e grita: JÁ CHEGA!
Terras nossas de precisoso néctar produtoras, com vinhedos tratados por mãos duras e calosas de trabalho de um povo, o nosso povo!
A quantos desse povo, toca esse néctar os lábios?
Terras Portuguesas, vinhedos Portugueses, povo Português, néctar Português, DONOS INGLESES!
A Portugal o que é de Portugal, JÁ!
Ouss
Romério:
É muito natural que para as gerações actuais nem sequer seja conhecido, pois em portugal se passa o mesmo, uma vez que ele faleceu em 1986 com 72 anos de idade. e nem interessa ao sistema que ele seja muito conhecido.
Mas posso dizer-te que ele tinha telações de amizade com Portinari e Vinicius, entre outros.
Um abraço
Alex,
Conheço pouco de Joaquim Namorado, mas por tua via já conheço mais e procurarei mais. Quanto às poesias publicadas aqui e no Aldeia Olímpica deu para entender a força de suas palavras.
Como também foi dado o enfoque acerca da sua personalidade, acrescento que às vezes também são precisas personagens com “trafors” carregados, má tempêra, feitio puro e duro. Dão mais enfâse à mensagem que lhes vem do fundo da alma.
Abraço,
Zorze
Ja’ a contar para meus setenta anos, tinha guardado no fundo de minha memoria, um certo poema que dizia,meu povo -Liberta-te-Liberta-te ou morre.
E quando no dia 13 de Fevereiro ouvi na RTV Portugusa que, apartir do 15 de Fevereiro de 2015, se vão pagar nos super mercados Portugueses, dez centimos de euro por cada saco plastico,minha memoria explodio, de seguida fui à internete, so’ escrevi a ultima fraze do poema, e encontrei. MEU POVO LIBEEERTAA-TE–LIBEEERTAA-TE .Um grande abraço a ALEX CAMPOS.
José LOPES