Poema da farra
Quando li Jubiabá
me cri António Balduíno.
Meu Primo, que nunca o leu
ficou Zeca Camarão.
Eh Zeca!
Vamos os dois numa chunga
Vamos farrar toda a noite
Vamos levar duas moças
para a praia da Rotunda!
Zeca me ensina o caminho:
Sou António Balduíno.
E fomos farrar por aí,
Camarão na minha frente,
Nem verdiano se mete:
Na frente Zé Camarão,
Balduíno vai no trás.
Que moça levou meu primo!
Vai remexendo no samba
que nem a negra Rosenda;
Eu praqui olhando só!
Que moça que ele levou!
Cabrita que vira os olhos.
Meu Primo, rei do musseque:
Eu praqui olhando só!
Meu primo tá segredando:
Nossa Senhora da Ilha
ou que outra feiticeira?
A moça o acompanhando.
Zé Camarão a levou:
E eu para aqui a secar.
E eu para aqui a secar.
(Mário António)
1 – O próximo dia 4 de Fevereiro é feriado em Angola. É o 48º aniversário de um acto revolucionário que marcou o início da luta armada com o objectivo de combater o regime colonial.
Foram centenas de populares que, nessa madrugada, assaltaram a Casa de Reclusão e a Cadeia de S. Paulo para libertarem nacionalistas detidos. Subjacente a este acto estava já uma consciência nacionalista, motivada pela repressão colonial. O que terá ditado a acção para aquela altura foram rumores que os presos políticos iriam ser transferidos para o Tarrafal, aliados ao facto de se pensar que o navio “Santa Maria” iria fazer escala em Luanda, pelo que estavam muitos jornalistas estrangeiros naquela cidade. O navio não atracou no porto de Luanda mas a esperança nasceu. Foi parida em 11 de Novembro de 1975, e continua por aí. Bem viva.
Por ser um marco de ruptura contra a repressão esta data figura como uma das datas históricas mais importantes do novo país. Deve-se dizer que também para os democratas portugueses que lutavam contra a ditadura fascista é uma data importante porque o início da luta armada veio criar mais dificuldades ao regime estabelecido em Lisboa, tendo começado aí, pode-se afirmar, o seu declínio, pois a sua sustentação foi-se tornando cada vez mais difícil.
Muito se tem escrito sobre esta data, foi um movimento popular intenso e abrangente, com muitas sensibilidades diferentes, tanto que outros movimentos o reclamam, como por exemplo a FNLA, que faria, um mês mais tarde o “ 15 de Março”, que ficou conhecido por “terrorismo”, em que foram chacinados europeus, bailundos e muitos outro negros que trabalhavam para os europeus, quer como empregados, contratados ou mesmo escravos. Constou-se, a verdade histórica quem a saberá, que a UPA/FNLA fez esta acção à revelia dos seus próprios donos, a CIA, para chamar a atenção sobre si tentando conseguir visibilidade e apoios. Mas isso são águas de outro oceano.
2 – Junto a esta evocação um poeta: Mário António. Por ser meu conterrâneo. Natural de Maquela do Zombo, um município do distrito do Uíge, a minha terra. Poeta, professor e investigador, Mário António era licenciado em ciências sociais e políticas e doutorado em literaturas africanas de expressão portuguesa. Nacionalista, foi um dos fundadores, em 1955, juntamente com os poetas António Jacinto, Viriato da Cruz e outros, de um fugaz Partido Comunista Angolano, que ter-se-ia diluído, penso eu, quando da formação do MPLA, juntamente com outras forças politicas.
Foi considerado dissidente pelo MPLA tendo a sua obra sido menosprezada e passado para segundo plano. Injustamente, digo eu. Veio para Portugal em 1963, onde se dedicou ao ensino e à investigação, tendo falecido em 1989.
Foi Angola, entre as províncias portuguesas, que mais se ligou, em termos históricos e culturais, ao Brasil nordestino. Assim os jovens literatos dos anos 50 foram muito influenciados por escritores brasileiros, principalmente Jorge Amado, como se pode ver no poema de Mário António, com que abri este apontamento. Essa influência também pode ser vista num outro poema, este de Viriato da Cruz, já musicado por Fausto e interpretado por Sérgio Godinho, “Namoro”. O cartão que o personagem envia à “coisa amada” já António Balduíno, no mesmo “Jubiabá” o fizera.
Também eu, quando li esta obra de Jorge Amado me cri António Balduíno. Aliás, não acredito que haja alguém que quando o leu não se tivesse imaginado António Balduíno.
E registo a saudade da mangueira, que a exemplo de Jorge Amado, havia no meu quintal. Sob a qual brinquei, cresci e me fiz homem. Uma árvore enorme, como a esperança do povo angolano, e que como ela, continuará de pé.
A voz de Ruy mingas:
# alex campos
Alex
Somos pelo menos dois de Angola. Sou calú, mas tenho um irmão do Uíge.
Angola é um grande vulcão. Vai tentando sarar-se de feridas profundas. Os seus intelectuais merecem maior divulgação.
Obrigado por este artigo.
Um abraço
Bom dia Alex,
Para ouvires o Rui Mingas podes ir aqui:
http://ocastendo.blogs.sapo.pt/224337.html e clicar na ligação (só som sem imagem).
Ah é verdade: a maioria da minha família está em Angola (é duma prima direita a concepção e direcção de construção do mausoléu de Agostinho Neto, por exemplo), que não conheço…
Isto está cheio de angolanos hehehehe.
Venho só para contar a minha historieta: dos 3 aos 8 anos vivi em Luanda (Praia do Bispo) com os meus pais e irmão….o meu pai era escultor e professor do ensino oficial, mas em Portugal estava proíbido pela PIDE de dar aulas em escolas do Estado. No entanto em Angola não havia problema, dava aulas no Liceu de Luanda e trabalhou muito em escultura,….os trabalhos mais relevantes na altura foram todas as esculturas do novo aeroporto de Luanda e vários baixos relevos em edifícios públicos e no Mercado Novo de Luanda na Maria da Fonte. Isto além de muitas estatuetas em vivendas particulares (era pinoca na época).
Mais tarde em 72 regressei a Angola e a Luanda no exército colonial e fiz uma “romagem” de saudade a esses lugares. Foi com alguma tristeza que verifiquei que quase tudo o que o meu pai tinha feito, tinha sido removido, mas enfim, os proprietários dos trabalhos é que sabiam o porquê desse facto!
Para entroncar de alguma maneira no post, direi também que já depois do glorioso 25, estive em Novo Redondo com o poeta Antonio Jacinto numa manifestação do MPLA ( de Viriato da Cruz acho que não vale a pena falar) e pronto, era só isto.
Um abraço a todos!
Ora bem nunca fui a Angola, nunca tive muito contacto com Angolanos.
Em 1992 o meu primo foi trabalhar para Angola, trouxe-me vários livros, achei graça por causa do Ferrão, dois que gosto particularmente: “O Cão e os Kalus” e “Luegi”.
Quanto ao António Balduino, pois, eu sou uma apaixonada por Jorge Amado e o Jubiabá é o “meu livro”, que estupidamente empresto e perco o rasto.
Quanto ao Rui Mingas, sempre gostei e a Canção “Namoro” foi cantada não só por Sergio Godinho, a versão mais bonita é pelo Fausto e existe uma optima da Teresa Salgueiro, Luis Represas fez uma resposta ao Namoro, também muito boa.
Beijos
Nos últimos tempos da sua “estadia” por cá, cantei muitas vezes com o Rui Mingas. Como se não bastasse, algumas dessas sessões de canções eram reforçadas com a poesia dita pelo Mário Viegas. Dá para imaginar?
Abraço
Alex,
Já que este post levou o pensamento a Angola, venho acrescentar que através do meu Avô que trabalhou lá muitos anos, passou-me muitas histórias de Angola, desde os diamantes, aos animais selvagens, a sua geografia, as suas viagens em que atravessava parte de Angola de Jeep, desde Luanda até Lunda Norte. Outras de avião em que fazia estadias noutros países africanos que hoje tem outros nomes.
Grandes histórias, os tempos eram outros.
Abraço,
Zorze
Caros amigos.
Embora tardiamente foi com bastante alegria que “tropecei” neste agradável blog, ainda por cima com referências ao Rui e à minha querida Angola. Mais um ano após o último contributo registado neste blog, acho que a melhor homanagem que posso prestar à minha pátria adoptiva será enviar um dos vários artigos que escrevi sobre o glorioso “4 de Fevereiro”, de que fui contemporâneo em Luanda.
Aqui vai!
4 de Fevereiro de 1961 – Angola: Grito lancinante na noite secular do colonialismo
IN Jornal Avante
Na madrugada de 4 de Fevereiro, alguns grupos de patriotas angolanos sob a orientação de Neves Bendinha, Paiva Domingos da Silva, Domingos Manuel Mateus e Imperial Santana, dispondo de cerca de 200 homens empunhando catanas, colocando-se em pontos estratégicos, efectuam várias acções revolucionárias na cidade de Luanda, contra objectivos específicos da estrutura colonial portuguesa. Um primeiro grupo começou por montar uma emboscada a uma patrulha da Polícia Móvel que se deslocava de carro na zona da “Casa Branca” (Sambizanga), tendo eliminado os seus quatro ocupantes, capturam-lhe as armas, descem as barrocas e tentaram tomar de assalto a Casa da Reclusão Militar junto à praia do Bungo (onde se encontravam a maioria dos presos políticos do famigerado “processo dos 50”), no entanto sem êxito.
Outros grupos, atacam simultaneamente, com armas artesanais a cadeia da PIDE no bairro de S. Paulo junto à lagoa (onde hoje fica o Estádio da cidadela), a cadeia da 7ª esquadra da Polícia de Segurança Pública (à estrada de Catete) onde igualmente havia presos, e tentam ainda ocupar a emissora estatal de rádio “Emissora Oficial de Angola”, (no bairro dos Correios), junto ao muceque Rangel.
Estas acções revolucionárias, tiveram como principal objectivo libertar os presos políticos do chamado “Processo dos Cinquenta”, encarcerados na Casa da Reclusão (e que segundo notícias que circulavam na cidade, iriam ser transferidos para o Campo de Concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde). A juntar a esta necessidade revolucionária, foi tido em linha de conta como factor importantíssimo, o facto de na última semana de Janeiro, terem chegado a Luanda, vindos dos quatro cantos do mundo, numerosos jornalistas interessados na cobertura do sequestro (pelo capitão Henrique Galvão) do paquete Santa Maria, que se pensava ter a cidade de Luanda como destino final. Havia ainda um factor importante a considerar; tratava-se de dar a conhecer ao mundo o massacre de que vinham sendo alvo os camponeses da Baixa de Cassanje, que segundo notícias recebidas clandestinamente, estavam a ser mortos aos milhares devido aos bombardeamentos pela aviação militar portuguesa com bombas de napalm.Com tais “ingredientes”, houve que aproveitar as condições favoráveis em termos internacionais, o que a não ser assim, retardaria a denúncia da política colonial portuguesa de terra queimada, sabe-se lá por quanto tempo mais.
Na mente dos chefes da acção revolucionária, havia a consciência das poucas ou nulas hipóteses de êxito, mas o momento era excelente para denunciar ao mundo a selvática acção dos colonialistas, daí o aproveitar desta oportunidade única.
Nenhuma das acções foi coroada de êxito. Face à desproporção de meios de combate utilizados; o sangue dos heróicos patriotas angolanos jorrou fartamente nos vários locais de confronto, onde também tombaram vários elementos da estrutura colonial. No fundamental, um dos objectivos fora alcançado com a concretização da denúncia para todo o mundo do sofrimento do povo angolano, através da pena das dezenas de jornalistas presentes na capital da colónia; o preço da ousadia revolucionária foi elevadíssimo pois a revanche dos colonos não se fez esperar, materializando-se num verdadeiro massacre.
Nos dias que se seguiram aos ataques da madrugada de 4 de Fevereiro, verificou-se uma frenética e tresloucada “caça ao homem” em moldes que jamais serão esquecidos pelo povo angolano. Ecoavam por toda a cidade os histéricos gritos de “mata que é turra!, agarra que é Lumumba!, mata esse filho da puta!”, transformando¬ se em imenso inferno os dias e meses que se seguiram à madrugada heróica, tendo por objectivo o extermínio massivo dos miseráveis habitantes dos muceques nos arredores de Luanda.
O dia dos funerais dos agentes da polícia, mortos na emboscada da “Casa Branca”, da Sé de Luanda para o cemitério de Sant’ana, foi a primeira grande demonstração dos terríveis dias que se seguiram. Milhares de pessoas de origem europeia, que se concentravam no cemitério e imediações, manipulados por agitadores profissionais, aproveitaram a presença no quintal de uma serração fronteira ao cemitério, onde humildes trabalhadores africanos preparavam a sua magra refeição, para sobre eles (por serem negros, é evidente), descarregarem a sua fúria revanchista e assassina abatendo alguns, que se encontravam desprovidos de qualquer arma que denotasse perigo para o comum dos cidadãos. Na artéria que confinava com a mesma serração, um maximbombo (autocarro) da carreira Baixa-Terra Nova, com lotação esgotada, quando dava entrada na rua do Alentejo, já no bairro da “Terra Nova”, é mandado parar e os seus humildes passageiros (negros), são igualmente objecto da sanha criminosa dos racistas que os espancaram até fartar.
Os dias que se seguiram foram de verdadeiro flagelo. As rusgas, os espancamentos, as correrias, os cadáveres e as valas comuns passaram a constituir o dia-a-dia dos negros. De noite as rusgas, de madrugada a abertura das valas para berço das vítimas, de dia a “limpeza selectiva”. Ser negro nos dias que se seguiram, era indicativo de candidato a defunto. Os colonos envolvidos na “limpeza étnica”, eram bem os dignos seguidores dos que, durante séculos andaram por aquelas paragens a dilatar a “fé e o império”. No entanto a canção dos heróis do 4 de Fevereiro, ficou como uma esperança, que a luta acabou por concretizar… «…ivuenu, ivuenu, tuvutuka, dii…» (oiçam, oiçam, voltaremos aqui!). Demoraram quase quinze anos a voltar, mas voltaram, não eles que foram massacrados, mas os seus filhos.
Henrique Mota
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Nasci em Angola.
Vivi nas antigas URSS e RDA.
Fugi de lá para Portugal e logo para a Nicarágua.
Vivo na Namibia.
Vou muitas vezes a Luanda.
Ver a Familia e Amigos.
Não volto mais a viver lá.
Minha Angola morreu.
Angola agora é só para Santos e outros corruptos.
Povo morre à fome.
4 Fevereiro foi inicio do sonho.
Morreu o sonho.