Foi – e é – por necessidades sociais que os humanos começaram a trocar mercadorias (M). Outrora trocando-as directamente, surgiu a determinado momento histórico o dinheiro (D) como meio para facilitar a troca entre mercadorias. Surge também a possibilidade de sobressaltos na circulação, que ocorrem quando por algum motivo as pessoas deixam de colocar dinheiro em circulação, são as ditas crises. Entretanto, no capitalismo, o dinheiro deixou de ser um meio para trocas entre mercadorias de valor equivalente, passando elas a ser o meio para a obtenção de mais-dinheiro (D’), sendo agora este a ser o fim. Porque a partir de uma quantidade de dinheiro busca-se obter mais dinheiro – D’ –, tornaram-se as crises inerentes ao capitalismo. De que forma?
Mais-Valia, Taxa de Exploração; Taxa de Lucro; Composição Orgânica do Capital
O Lucro decorre da Mais-Valia (m). Sendo que esta provém da diferença entre o valor produzido por um trabalhador e o salário que lhe é pago. Por outras palavras, é o tempo de trabalho não remunerado. Logo, o lucro vem directamente ou indirectamente do trabalho humano, do trabalhador. Daí, ainda podemos calcular a taxa de exploração (m’), por exemplo, se o valor produzido por um trabalhador durante um ano é de 40000$ e a mais-valia de 20000$, então: [1]
O que interessa ao capitalista é o lucro e a busca por maiores taxas de lucro. Ele precisa de saber se o valor que legalmente rouba aos seus trabalhadores – a mais-valia (m) – é superior ao capital que investe em capital constante (k) e capital variável (v). Sendo o capital constante a maquinaria, matérias-primas… e o capital variável a compra de força de trabalho aos trabalhadores. Logo, matematicamente a taxa de lucro representa-se assim:
Juntando as duas equações, em que m=m’v, obtemos:
Ficando claro que a taxa de lucro (l’) é proporcional à taxa de exploração (m’). E além desse pormenor completamente insignificante², vê-se a interdependência entre a taxa de lucro e a composição orgânica do capital, que é a relação entre capital constante (k) e capital variável (v).
O incessante e impetuoso desenvolvimento técnico, impulsionado pela concorrência entre capitalistas, obriga-os a investirem em maquinaria (capital constante) que lhes permite produzir o mesmo com menos tempo de “trabalho vivo” (capital variável). Portanto, na sua busca pela reprodução de capital, tendem a investir mais em capital constante (k) e menos em capital variável (v), aumentando tendencialmente a composição orgânica do capital (coc) e a taxa de lucro tende a diminuir. O desemprego resulta deste maior investimento em capital constante em prejuízo do capital variável, tornando-se assim também mais difícil aos capitalistas obter a mais-valia.
Os capitalistas para contrariar a tendência para a baixa taxa de lucro tendem a aumentar a taxa de exploração. Simultaneamente, incentivam ao consumo enquanto o poder de compra dos trabalhadores tende a baixar. Esta diminuição poder de compra – que em Portugal conhecemos bem – é um dos motivos para se comprar menos mercadorias. Assim, a tal circulação D-M-D’ abranda e… dão-se as crises.
O capitalismo para “sobreviver” às suas próprias contradições desenvolveu uma enorme financeirização da economia, trocando-se o dinheiro directamente por mais dinheiro e sem passar directamente pela produção. Tal não tem utilidade social e funciona meramente por considerações especulativas. O D-D’ é a espera de que as mercadorias, onde os “pacotes de investimento” se levantam, subam de valor. Mas a valorização dessas mercadorias estão limitadas pela dita economia real – como explicado acima – e o sistema financeiro tem sempre o momento em que cai na realidade…
É certo que o funcionamento da economia não tem esta simplicidade, mas limitamo-nos a referir a base onde toda a dinâmica capitalista – cada vez mais complexa – assenta.
O lado A e B dos singles da música dominante
Esta rápida excursão pela teoria económica marxista não pretende ser um mero exercício de doutrina. Estamos conscientes dos perigos da cristalização dos conceitos e princípios. E antecipamos o juízo taxativo, ou preconceituoso, nos termos do nosso post anterior: “lá estão eles com a k7”. Sendo assim, gostaríamos de passar em revista algumas tendências do discurso dominante, uma vez que reconhecemos nele algumas das características do… vinil.
LADO A
Em primeiro lugar, o defeito do disco riscado. Há que aumentar a competitividade da nossa economia para responder às exigências crescentes da economia num contexto globalizado, repetem-nos exaustivamente. E, lá pelo meio, dizem (e fazem!) o que verdadeiramente lhes interessa: há que aliviar a pressão do Trabalho na actividade económica. E para isto pode contribuir a subtracção do poder de negociação e reivindicação da classe trabalhadora – como foi o caso do Código Laboral do PS – ou, de forma mais palpável, a diminuição dos salários. Em ambas as formas revemos a luta empreendida pela classe dirigente para o aumento da taxa de exploração, como explicitada acima.
E contudo, a coberto da crise, vemos surgir apelos claros para que esta tendência objectiva do Capital seja interiorizada pelos trabalhadores, criando bases subjectivas para que os salários não subam, justificando-se com a defesa do emprego. Apelos que para o a classe assalariada subscreva – uma vez mais: lá está o disco riscado! – os ditames da ordem capitalista.
LADO B
Uma outra característica dos discos de vinil, e em particular dos singles (amontoam-se as analogias políticas sofríveis), é a do lado B dos discos, que correspondia às versões alternativas das músicas do lado A. E muitas vezes apenas para ocupar o espaço de gravação que restava…
Para ir direito ao assunto, nas suas expressões actuais, o lado B defende essencialmente um relifting do neo-liberalismo para um “capitalismo regulado e ético“, como consequência da profunda “crise de valores” a que o “anterior” modelo nos conduziu. Segundo esta versão alternativa da realidade houve uns quantos tipos imorais que ora montavam elaboradas fraudes financeiras, ora executavam empréstimos que deixaram uma série de desgraçados endividados; quando não dispersavam os seus capitais por investimentos que prometiam altos lucros, tantas vezes aproveitando-se excessivamente de offshores que visavam tão só incrementar o desenvolvimento de regiões empobrecidas.²
Nós cá não gostamos de singles
Acontece que a crise não é resultado da falta de ética dos seus intervenientes, mas ocorreu pela confrontação destes intervenientes com os limites de estabilidade do sistema em que actuam. Sistema este da troca D-D’ que, como explicitado acima, tem os seus limites (também) na produção económica.
Contudo, as respostas que os “lados B” encontram para superar as contradições em que a sociedade se encontra passam por defender a continuidade do sistema, puxando o lustro à ética dos especuladores e dos governantes que com eles sempre pactuaram. Como se a moral dominante não fosse um reflexo das condições materiais da sua época…
O discurso destes vinis é que já se encontra gasto! É necessário que as massas trabalhadoras e não monopolistas ganhem consciência dos limites do nosso sistema económico actual, para a tendência real de diminuição das suas condições de vida e de incremento das desigualdades – em particular na presente altura de crise. E é urgente que esta tomada de consciência se efective em acção social e política! Quer nas negociações dos salários e na defesa do emprego com direitos, quer em iniciativas de contestação ao aumento da taxa de exploração. E é isso que nós andamos a fazer.
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[1] não se trata do escudo. É uma mera representação para o exemplo. [2] uso fantástico, por parte dos autores, de um recurso estilístico! ironia/sarcasmo.Algumas imagens – e consulta – são mais-valia retirada do blog anonimo sec xxi consultado: Conceitos Fundamentais de O Capital, de Lapidus e Ostrovitiano e Reading Marx’s Capital with David Harvey. —————————————————————————-
# Colectivo Leitura Capital
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